Fonte: Atarde
Um projeto de lei que tramita no Senado Federal propõe uma alteração do artigo 2º da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2016) para garantir que mulheres trans possam ser incluídas como protegidas da norma. A mudança proposta é a inclusão do termo "identidade de gênero". Atualmente, consta apenas o termo "orientação sexual".
Na Bahia, ativistas trans e especialistas no tema defendem que mulheres transgêneros (transexuais e travestis) sejam atendidas nas Delegacias de Atendimento Especializado à Mulher (Deam) e consideram que o projeto é importante.
Elas afirmam que, se aprovada, a alteração na lei beneficiará mulheres trans de todo o país – pessoas que nasceram do sexo biológico masculino, mas se identificam e se apresentam socialmente como do gênero oposto.
A identidade de gênero é diferente da orientação sexual. Enquanto a primeira expressão é a forma como a pessoa se autoidentifica, a orientação sexual diz respeito ao gênero pelo qual alguém se sente atraído física ou emocionalmente.
A titular da Deam de Periperi, a delegada Vânia Nunes, contou que, há quatro anos na unidade, nunca atendeu mulheres trans e que, caso aconteça, ela será orientada a procurar uma delegacia de bairro. Sobre o PL, ela disse que não poderia opinar. "Não estudei essa mudança", ressaltou.
Já a titular da Deam de Brotas, Eleneci Nascimento, contou que já atendeu uma mulher trans que tinha o nome civil alterado no RG. "Quando chegar com o documento sem alteração, ela vai ser atendida, mas o caso terá que ser analisado. A questão não é o atendimento . É a aplicação da lei".
Justiça
A presidente da Associação de Travestis e Transexuais de Salvador (Atras), Millena Passos, lembrou que em estados como o Rio Grande do Sul e o Paraná já houve casos em que mulheres trans sofreram violência do companheiro e a lei foi aplicada.
"Acho muito importante. Somos mulheres trans e travestis e sofremos na carne. Ser mulher no Brasil já significa sofrer discriminação. Imagine nós, que por causa do estigma somos alvos do preconceito e do machismo?", frisou.
Millena considerou a inclusão do termo "identidade de gênero" como mais uma ferramenta contra a violência. "Seria mais uma coisa para impedir que homens, que até amam uma mulher trans, sejam violentos".
Avanço
A promotora de justiça e coordenadora do Gedem, Lívia Vaz, contou que acompanha o caso de uma mulher trans que foi atendida em uma Deam, em Salvador, e conseguiu, na Justiça, uma medida protetiva para que o companheiro não possa se aproximar dela.
A vítima sofreu, segundo a promotora, agressões físicas e psicológicas e foi ameaçada de morte. "Mas ela já tinha o nome civil modificado. Foi atendida e se sentiu constrangida. O que é para a Deam uma mulher trans? Se tiver o nome civil modificado pode ser atendida? Só assim?", questionou.
A promotora de justiça citou, ainda, um enunciado da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), instância criada pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), onde é destacado que a lei pode ser aplicada a mulheres trans.
"A Lei Maria da Penha pode ser aplicada a mulheres transexuais e/ou travestis, independentemente de cirurgia de transgenitalização, alteração do nome ou sexo no documento civil", ressalta o enunciado nº 30.
Para a ativista LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) Paullet Furacão, as mulheres trans enfrentam dificuldades até para ter relações afetivas. "Nossos companheiros nem assumem a relação publicamente por causa do machismo. Além de discutir o avanço da proteção, temos que debater também a aceitação", afirmou.
Alteração conta com 63% dos votos
O projeto de lei que propõe a alteração na Lei Maria do Penha tem dividido opiniões. De acordo com consulta pública no site do Senado Federal, até ontem, 6.990 (63%) pessoas tinham votado a favor da proposição de mudança, enquanto 4.147 (37%) se disseram contrárias.
De autoria do senador pelo Acre Jorge Viana (PT), o projeto de lei nº 191 foi proposto após solicitação do Ministério Público do Estado do Acre, que, ao se deparar com situações de violência doméstica e familiar contra transexuais e transgêneros, provocou a casa para apresentar uma solução para o problema. Durante uma semana, A TARDE procurou o senador, mas a assessoria do parlamentar não respondeu à solicitação.
Com a mudança proposta, o artigo ficaria com a seguinte redação: “Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
A última movimentação do PL foi registrada em 28 de junho deste ano, quando estava na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e aguardava designação do relator, que, segundo o site do Senado, é a senadora Marta Suplicy.
Judiciário
O presidente da Comissão de Diversidade da seccional baiana da Ordem dos Advogados (OAB-BA), Filipe Garbelotto, disse que vê “com bons olhos” a proposta e que o Judiciário tem deferido em alguns estado medidas protetivas para mulheres trans vítimas de agressão.
“Eles fundamentam a decisão pela condição de gênero feminino, independentemente do sexo biológico. Se houver a mudança na lei, não vai mais depender da interpretação do juiz. Vai melhorar o acesso à Justiça”, afirmou.
O advogado comparou a situação com o casamento homoafetivo que é permitido, mas não consta em lei. Há uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema que vincula o sistema judiciário.
Garbelotto lembrou o caso de uma menina que sofria violência da mãe por ser trans. “A lei protege no âmbito doméstico. É mais amplo. Não é só a questão de companheiro”, acrescentou o advogado.