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Adotada após a Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanosda ONU é considerada um marco legal na institucionalização desses direitos. Idealizado por representantes das esferas cultural e jurídica, o documento, que completa 70 anos em 2018, tem encontrado forte resistência e gerado debates acalorados no Brasil nos últimos anos.
Segundo uma pesquisa do Instituto Ipsos, realizada no começo de abril de 2018, 66% dos brasileiros acreditam que os direitos humanos protegem mais os bandidos do que as vítimas. Na região Norte, por exemplo, essa percepção alcança 79%.
"Existe uma narrativa construída para distorcer os direitos humanos", ressalta Flavia Piovesan, integrante da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ex-secretária nacional dos Direitos Humanos.
"Sou professora de Direito Constitucional, e minhas aulas sempre começam falando desse preconceito e de como podemos corrigi-lo. É fundamental dizer que direitos humanos são para todos, que dizem respeito a uma vida digna", analisa Piovesan, que também é docente na PUC-SP.
Universal para quem?
Segundo o levantamento do Ipsos, 54% dos brasileiros concordam com a frase "os direitos humanos não defendem pessoas como eu". Para Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, o falho acesso aos direitos humanos gera uma distorção em seu conceito básico de universalização.
"Esses direitos ainda não são uma concretude na vida de cada pessoa, e o Brasil não os realiza como deve. Numa sociedade desigual, onde direitos de todos não são alcançados por todos, quem alcança é um privilegiado. É uma população branca, urbana, que está em grande parte no Sudeste do país", analisa.
Para Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil, a desinformação em relação ao tema gera conclusões falsas. "Essa falta de compreensão, associada a recentes ataques por parte de líderes autoritários ou grupos que clamam defender a 'maioria', tende a alimentar a noção equivocada de que os defensores de direitos humanos defendem apenas 'minorias' – ou ainda, aqui no Brasil, 'bandidos' – e que, portanto, atuariam do lado destes contra a polícia, por exemplo", diz.
Canineu destaca que defender direitos humanos significa defender o respeito a valores básicos inerentes a todo ser humano, centrados na dignidade, que possibilitem a construção de uma sociedade justa e democrática.
"Mas significa também denunciar o Estado quando este excede o seu poder e se torna ele o violador dos direitos fundamentais do cidadão, como o direito à vida, à integridade física, a um processo justo e célere, à proteção contra a tortura e a violência, entre outros", aponta.
Para Canineu, ainda há grandes desafios para que esses direitos sejam integralmente implementados e garantidos na prática. "Isso é visto, por exemplo, na segurança pública, em que se verificam altos índices de violência policial, execuções extrajudiciais, encarceramento em massa, presídios superlotados, enquanto tem sido difícil aprimorar investimentos em políticas de segurança efetivas para a população", aponta.
Entre janeiro e setembro do ano passado, 62 ativistas dos direitos humanos foram assassinados no Brasil, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em relatório divulgado pela Anistia Internacional.
Direitos humanos e ideologia
A associação entre direitos humanos e impunidade não é uma novidade no Brasil. Segundo Piovesan, a percepção de que esses direitos protegem criminosos surgiu com o fim da ditadura militar, em 1985.
É a partir do fim do regime militar que se intensifica o processo de deslegitimação de quem defende a bandeira dos direitos humanos", aponta. Um sintoma que pode explicar essa análise, diz ela, está no fato de que o apoio a esses direitos é menor na faixa etária a partir de 66 anos (48%).
Ao analisar o cenário brasileiro, Piovesan salienta que os direitos humanos foram integrados à agenda do Estado apenas após a redemocratização, mas os avanços dos últimos 30 anos são perceptíveis.
"O Brasil percorreu quase 500 anos da sua história sem punir o racismo como crime. Isso veio em 1988, e a lei foi adotada em 1989. O país ficou quase cinco séculos sem punir tortura. É com uma lei de 1997 que passou a fazê-lo, cumprindo a Constituição", completa.
Recentemente, ganhou força o debate de se os direitos humanos se tornaram uma pauta da esquerda. Segundo Canineu, embora em muitos lugares do mundo, e não só no Brasil, a pauta dos direitos humanos seja comumente ligada a grupos alinhados à esquerda, "os direitos humanos representam valores que se sobrepõem à polarização partidário-ideológica".
"Se posicionar contra violações de direitos humanos não é nem deveria ser assumir uma posição de esquerda ou de direita, senão a certeza de que certas práticas são moralmente inaceitáveis", diz.
Eleições podem ser decisivas
O pleito presidencial deste ano pode definir como o Brasil vai diminuir ou aumentar suas ações com o objetivo de universalizar os direitos humanos, dependendo do candidato eleito.
"Você tem um candidato como [Jair] Bolsonaro, que traz uma ideologia carregada de racismo, homofobia, sexismo, e que está com os seus 18% [de intenções de voto]. Isso preocupa", considera Piovesan.
Sem nomear candidatos, Canineu afirma que a Human Rights Watch também vê com preocupação o processo eleitoral deste ano. "Estamos conscientes do ambiente político frágil e da ameaça de fortalecimento de narrativas que defendem a restrição de direitos supostamente em favor de uma dita 'maioria'", afirma.
"Há uma necessidade urgente de fazer com que o tema seja debatido a fundo e com que seja reforçado o compromisso do Estado brasileiro com os direitos humanos", ressalta.
Werneck acredita que os direitos humanos estão sendo contemplados nas candidaturas atuais. "Grupos estão abordando o direito à vida segura, livre de violência. Todo mundo está no debate com as suas visões, nós só precisamos saber entender. A sociedade está demandando e há, de certa maneira, uma resposta, inclusive dos partidos", diz.