Fonte: Brasil de Fato
O cenário político brasileiro e os fatos diários do Congresso Nacional têm superado qualquer trama de novela. Impeachment, manobras políticas, aliados que se tornam inimigos, e vice-versa, estão no cotidiano do noticiário.
Para analisar a conjuntura atual, o Brasil de Fato entrevistou três deputados que fazem oposição aos retrocessos no Congresso: Ivan Valente (PSOL), Jandira Feghali (PCdoB) e Wadih Damous (PT).
Os três acreditam que a presença de Eduardo Cunha (PMDB) na Presidência da Câmara dos Deputados envergonha o país, que o processo de impeachment aberto por ele é um ato oportunista e que, para travar as pautas conservadoras no parlamento, é necessário que haja pressão de movimentos populares nas ruas.
Confira a entrevista completa:
Como vocês avaliam os processos atuais na Câmara, como o pedido de impeachment de Dilma Rousseff e as manobras de Cunha na Comissão de Ética?
Ivan Valente: As manobras do Cunha tendem a chegar num limite que causam um impacto grande na opinião pública. É uma figura que não pode permanecer a frente de uma das casas, ainda mais acusado de corrupção explícita.
Em relação ao impeachment, existe um clima de criar uma maioria na Câmara para apoiar o afastamento da presidente. O esfacelamento da base aliada do governo pode gerar uma instabilidade política muito grande, se não houver movimentações de rua fortes pela esquerda.
Jandira Feghali: O processo em curso envergonha o Parlamento, desrespeita a Constituição e golpeia o Estado Democrático de Direito. Assistimos a uma tentativa de, sem qualquer fundamento, enfiar goela abaixo o impeachment, sem o rito devido previsto pela Constituição e pela lei. É, verdadeiramente, um golpe.
Sobre o Conselho de Ética, é imoral o que está ocorrendo. Um golpe dentro do golpe. Manobra atrás de manobra para adiar, interromper ou atrapalhar os trabalhos do colegiado. É inaceitável.
Wadih Damous: Tanto em relação ao impeachment como na representação contra o presidente da Câmara no Conselho de Ética, Eduardo Cunha faz manobras, escarnece a nação, pisoteia a Constituição, desrespeita as leis e o regimento interno. O deputado não reúne mais qualquer condição moral e jurídica de permanecer a frente da Câmara.
O impeachment é um processo que integra uma tentativa de golpe de Estado, não mais nos moldes clássicos do passado, mas agora uma nova modalidade de golpe parlamentar, tendo em vista que não há qualquer motivo para o seu processamento.
O ano de 2015 foi repleto de pautas conservadoras e retiradas de direitos por parte da Câmara. Como reverter esta situação?
Ivan: A pauta conservadora na economia teve apoio do governo com o ajuste fiscal. A terceirização passou na Câmara e, no campo dos direitos civis e democráticos, tivemos uma ofensiva muito forte de setores conservadores. Essas pautas revelam a base de sustentação que dá energia a Cunha, a fidelidade que ele ainda tem na Câmara após tantas denúncias e desgastes.
Essa composição congressual é muito à direita e não houve por parte do governo o intuito de formar uma contrapressão de rua para o enfrentamento dessas bancadas.
Jandira: Quando analisamos a composição da Câmara dos Deputados, nesta nova legislatura, já esperávamos dificuldades. Uma maioria conservadora tomou o lugar de setores representativos da sociedade, que ficaram sub-representados.
Mesmo assim, não imaginávamos que a situação chegasse a tal ponto. Para combater este descompasso entre representantes e representados é preciso, em primeiro lugar, disputar posições e divulgar amplamente as arbitrariedades e os prejuízos que determinadas pautas carregam.
Muitos resultados nefastos que passaram pela Câmara conseguiram ser revertidos pelo Senado Federal, como foi quando da votação do financiamento de campanhas. O caminho é este, resistir, ganhar apoio para uma pauta mais avançada e denunciar as tentativas de retrocesso.
Damous: Isso só vai ser revertido com o tempo. Alguns projetos foram aprovados e outros não, e temos que continuar trabalhando para que eles não sejam aprovados.
Tudo isso é o legado maldito do Eduardo Cunha: pautas bombas, projetos que agridem os direitos e garantias individuais. É uma herança maldita.
O que os deputados de esquerda podem fazer frente a esse conservadorismo crescente na Câmara?
Ivan: Temos feito um enfrentamento direto no processo de cassação do Cunha. O enfraquecimento dele foi o que baixou a temperatura do impeachment. Mas a insatisfação social continua. O que nós podemos fazer é resistir, mas precisamos de apoios dos movimentos sociais e populares.
Porque no parlamento a correlação de forças é extremamente desfavorável. É só ver o que está acontecendo no Conselho de Ética da Câmara. Até os meios de comunicação conservadores têm mostrado do que o Cunha é capaz.
Jandira: Temos que trabalhar unidos no Parlamento e juntos do povo, nas ruas. Ocupar os espaços públicos com movimentos sociais, sindicatos e sociedade civil não-organizada são fundamentais para denunciar tentativas de retrocesso e conscientizar a população sobre esses riscos.
Quando há esta mobilização e a sociedade se manifesta, vemos uma possibilidade efetiva de combater os ataques aos direitos já garantidos.
Damous: Nós temos resistido e tomado uma série de atitudes, como denúncias lá na Câmara e na sociedade. Mas nós temos uma margem muito estreita porque há uma grande articulação conservadora no Brasil, começando na grande imprensa, passando pelo parlamento e pelo Eduardo Cunha.
O nosso papel é de resistência e de tentar barrar esses projetos, mas, muitas vezes, a gente não consegue por conta da ampla maioria que eles tem.
Que impactos esse tipo de atuação da Câmara tem para a sociedade e a forma como ela enxerga a política?
Ivan: Tem um desgaste global do parlamento brasileiro com a manutenção do Eduardo Cunha lá. Ele virou um vilão nacional, mas, ao mesmo tempo, ele é útil à direita por conta do impeachment. Ele se beneficiou dos vacilos do PT e do oportunismo da direita, o que deu sobrevida a ele.
Jandira: É um impacto muito negativo, porque a atitude de alguns contamina a todos. Não raro escutamos frases como "são todos ladrões", "política é coisa de gente corrupta". Isso é lamentável, porque a política é instrumento da democracia, é ferramenta da transformação social.
A imagem do golpismo escancarado, do "vale tudo", só interessa aos que não toleram o regime democrático. O Parlamento não é, nem pode ser assim. A política precisa ser valorizada, as pessoas precisam enxergar na política um caminho para a superação de problemas, dificuldades sociais, de melhoria da vida do cidadão.
Damous: Isso, sem dúvida, compromete a visão do Congresso na sociedade. Eu tenho certeza que, se formos fazer uma pesquisa de como a população avalia o parlamento, o resultado vai ser o pior possível.
Claro que há outros problemas e a política nunca foi bem avaliada no Brasil, mas o Cunha está levando isso a patamares jamais vistos. A permanência dele na Presidência da Câmara está se tornando um escândalo internacional.
Qual o papel da sociedade e movimentos populares organizados nesse cenário? O que se deve fazer fora do Congresso para enfrentar um golpe institucional e a retirada de direitos?
Ivan: O papel dos movimentos sociais progressistas de esquerda é de ir contra o ajuste fiscal, contra o Cunha, as terceirizações, as privatizações. O papel desses movimentos é vital para brecar qualquer ofensiva de direita.
E é importante que ele seja volumoso, para sensibilizar amplas camadas da sociedade. Não basta dizer que grandes entidades estão na rua, mas mostrar a real capacidade de mobilização. Isso teria um impacto importantíssimo nos rumos do Congresso e na conjuntura nacional, impedindo esse oportunismo político.
Jandira: O PCdoB defende uma ampla mobilização contra os golpes em curso. Golpe institucional, golpe contra direitos, golpe contra a tolerância e contra a cidadania. Temos que ocupar as ruas e as redes para fazer frente à militância do ódio e, pouco a pouco, fazer prevalecer a pauta voltada para o desenvolvimento econômico e social.
Damous: A sociedade civil tem que entender que ela não pode se deixar contaminar pelo veneno da grande imprensa, que acaba moldando consciências, e entender que sem democracia nós não temos o caminho correto para as mudanças. Por mais que não se goste do governo e que ache o governo ruim, o que está em jogo hoje é a legalidade.