Em seis capítulos, o relatório analisa o desmonte da comunicação pública com a intervenção de Temer na EBC, as violações à liberdade de expressão e manifestação e à comunicação comunitária no contexto das Olimpíadas, as ameaças à internet livre, com mudanças no Marco Civil da Internet, e o crescimento do controle de canais por grupos religiosos e por políticos.
“Fazemos esse lançamento num momento muito simbólico, em que a liberdade de expressão e o direito à comunicação estão profundamente ameaçados, sendo violados sistematicamente no país. Essa semana, o blogueiro Eduardo Guimarães foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal e teve seu sigilo de comunicação quebrado ilegalmente. Na semana passada, o jornalista Caio Barbosa foi demitido do jornal “O Dia” por exigência do Prefeito do Rio. São casos que, infelizmente, não são isolados e que colocam a defesa do direito à livre expressão e à comunicação na pauta do dia, ainda mais no momento político de ruptura democrática que enfrentamos”, afirmou Bia Barbosa, jornalista, coordenadora do Intervozes. Ela citou uma série de medidas que vem sendo adotadas pelo governo Temer que desmontam as políticas de comunicação e avançam no cerceamento à liberdade de expressão no país.
Durante o debate, o jornalista Caio Barbosa relatou o episódio de censura que sofreu após publicar uma reportagem sobre as condições dos postos de saúde no Rio de Janeiro. Segundo ele, a matéria trazia, além das falas de usuários dos postos de saúde, que denunciavam a falta de preparo das unidades para atender a população, três parágrafos de resposta da Secretaria de Saúde do município. Ainda assim, o texto provocou fúria no prefeito Marcelo Crivella que, por meio de um assessor, contatou o jornalista para “tirar satisfação” sobre a publicação. O episódio culminou com a retirada da reportagem do ar pelo “O Dia” e a demissão do repórter.
Para Gizele Martins, moradora da Maré, jornalista e comunicadora popular, que também participou do debate de lançamento do relatório, o cenário de perseguição, silenciamento e censura há muito tempo impede a livre manifestação de pensamento dos/as comunicadores/as de favelas. Para ela, o Estado atua violentamente para silenciar as rádios, TVs e jornais comunitários porque esses são os únicos veículos que falam da realidade vivida nas favelas, que denunciam o genocídio da população negra e o racismo institucional. “Fiz aqui as contas de quantas vezes fui ameaçada de morte, com fuzil na cara, com mensagens no Facebook, com a Polícia na minha porta, e nem consegui fechar a conta exata. Essa é a regra pra nós que somos comunicadores populares, favelados, e não a exceção. O direito à comunicação, para nós, está ligado diretamente ao direito à vida, são coisas que andam completamente juntas”, defende.
Gizele relatou ainda que as perseguições e ameaças que sofre atualmente ganharam novos contornos a partir da emergência das redes sociais. Ela conta, que mês a mês, altera seus dados nas redes pra evitar o surgimento de perfis ‘fakes’ que buscam criminalizá-la. Além disso, relatou preocupação com as informações que ela e outros comunicadores compartilham por meio da internet, de aplicativos de mensagem como o Whatsapp, porque sabem que estão sendo monitorados.
A questão da proteção de dados pessoais na internet deve ser encarada com urgência não só por comunicadores e ativistas, mas por todas as pessoas. O alerta foi feito no debate por Jhessica Reia, líder de projetos do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. “Hoje existe uma capacidade considerável de processamento de grandes volumes de dados de todas as pessoas. É necessário pensar quem controla esses dados e o que fazem com eles. A questão das cidades inteligentes e do uso de dados também deve ser encarada: a quem interessa esse modelo de cidade e como garantir direitos fundamentais?”, questionou.
Além da questão da privacidade, segundo a pesquisadora, o acesso ainda é um gargalo a ser superado no Brasil. Quase metade da população ainda não tem acesso domiciliar à internet e esse direito vem sendo ainda mais ameaçado por iniciativas como implantar franquia de dados nas conexões fixas e alterar a Lei Geral de Telecomunicações.
O relatório
Em 85 páginas, o relatório “Direito à Comunicação no Brasil 2016” analisa esses e outros temas e tem como objetivo oferecer subsídios para organizar a resistência aos retrocessos que se apresentam no campo da liberdade de expressão e do acesso à informação no país. O compilado reúne seis reportagens publicadas ao longo do ano passado no “Observatório do Direito à Comunicação” que tratam da posse de canais de rádio e tv por políticos, do avanço de grupos econômicos e religiosos sobre o setor, do desmonte que o governo Temer vem fazendo da Comunicação Pública, das iniciativas que ameaçam o acesso e a livre expressão na internet e do papel dos meios de comunicação no processo de golpe que culminou no impeachment da Presidenta Dilma Roussef. A elaboração do relatório contou com o apoio da FES (Friedrich Ebert Stiftung).
Durante o evento, realizado na Casa Pública, no Rio de Janeiro, também foi divulgada a campanha “Calar Jamais”, coordenada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Lançada em outubro de 2016, a campanha tem recebido denúncias de violações à liberdade de expressão no Brasil. Conheça aqui.