Notícias 20/02/2014

Desafio da esquerda é construir unidade na pluralidade

Para sociólogo Aldo Fornazieri, missão é aprender a lidar com novos bandeiras e movimentos e lutar junto pela transformação da sociedade

 

Fonte: CUT 

 

 

A gestão golpista de Michel Temer entrega exatamente o que prometeu, redução em direitos e conquistas sociais, e acena com um cenário arrasador para quem mais avançou nos últimos 13 anos.

Os primeiros anúncios apontam para cortes no Minha Casa Minha Vida, ProUni, Fies, aumento na idade mínima para aposentadoria, flexibilização dos direitos trabalhistas e privatização do SUS. Tudo isso comandado por um ministério composto por investigados pela operação lava-jato.

Mais do que combater o modelo de gestão implementado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela presidenta eleita Dilma Rousseff, a gestão Temer aponta para um ataque ao que consagrou a Constituição de 1988, um Estado capaz de servir de amparo a quem está ás margens da sociedade e incluí-las, aponta o sociólogo Aldo Fornazieri.

Em entrevista ao Portal da CUT, ele aponta que esquerda encontra-se diante do desafio de resgatar bandeiras históricas, sem fazer com que os novos movimentos, à parte de partidos, percam a autonomia, num processo que chama de reinvenção do progressismo.

Qual o recado que o Temer dá ao extinguir ministérios que discutiam políticas para igualdade?
Aldo Fornazieri – O recado já estava dado antes do próprio processo de impeachment. O PMDB construiu um programa para ganhar credibilidade e viabilizar uma alternativa ao governo Dilma durante o golpe. As sinalizações dos primeiros dias do governo já estavam no “Ponte para o Futuro”, o desmonte do social. Primeiro, o desmonte do colchão de segurança e seguridade social que foi montado a partir da Constituição de 1988, que foi chamada de cidadã exatamente porque criava a ideia de uma rede de direitos e garantias para que os setores mais pobres da sociedade, particularmente os trabalhadores, tivessem segurança social. Uma indicação mínima do Estado de bem-estar social. E, segundo, o desmonte no que os governos do PT avançaram no espírito da Constituição.

Portanto, é um desmonte de um programa que indica um modelo de sociedade minimamente segurada no sentido social e econômico e o desmonte prático daquilo que o espírito da Constituição de 1988 avançou nos governos do PT.

Você acha que esse desmonte encontra apoio no pensamento atual médio brasileiro?
Fornazieri – Há setores da sociedade que nunca concordaram com uma política de bem-estar social. O próprio Bolsa Família sempre foi muito criticado por uma classe média alta, mas, na prática, o grande problema do país é um sistema tributário regressivo. Os ricos não pagam impostos e a classe media alta sonega. A perda pela sonegação atinge R$ 400 bilhões ao ano, enquanto a corrupção causa um estrago de R$ 85 bilhões. Mas a sonegação é aceita pela sociedade. Quando a sociedade se volta à corrupção, que tem de despertar revolta mesmo, age de maneira hipócrita, porque também é sonegadora.

Temos uma herança que vem do século 18, 19, que é de escravidão. A maioria do povo brasileiro é pobre e negro e quem é pobre, normalmente é negro. É uma chaga que nunca foi resolvida, nem no momento da abolição, nem da proclamação da República, nem no que se avançou na época de Getúlio Vargas e nem o golpe de 1964 tratou dessa questão. Quem tratou disso, em partes, foi a Constituição de 1988. Há um ataque a isso.

Parte da sociedade tem pensamento anti-social, que sugere que esforço próprio resolve a desigualdade, mas quem estuda isso sabe que não é assim, as experiências de outros países no mundo mostram que não é assim. A justiça precisa do concurso regulador do Estado para atenuar o problema da pobreza, da miséria e da falta de inclusão social. Até mesmo pensadores do ultraliberalismo, como Milton Friedman, propõem a ideia de um programa de renda mínima.
 

"Parte da sociedade tem pensamento anti-social, que sugere que esforço próprio resolve a desigualdade, mas quem estuda isso sabe que não é assim, as experiências de outros países no mundo mostram que não é assim. A justiça precisa do concurso regulador do Estado para atenuar o problema da pobreza, da miséria e da falta de inclusão social. Até mesmo pensadores do ultraliberalismo, como Milton Friedman, propõem a ideia de um programa de renda mínima. "

Aldo Fornazieri



Mas se a maior parte da população é negra e pobre, programas como esse do PMDB não deveriam produzir manifestações como as que defenderam o impeachment?
Fornazieri – Há pouco debate na sociedade sobre esse problema. Temos uma desestruturação das esquerdas, que sofreram uma derrota gravíssima no processo do golpe, se enfiaram nos gabinetes e se afastaram do povo. Esta foi um pouco a trajetória do PT, o povo não tem o esclarecimento do que está acontecendo. Algumas pessoas que eram a favor da queda da Dilma e estão olhando as primeiras medidas do governo Temer ficam perplexas e dizem que ninguém disse que se tratava disso.

No embate sobre o impeachment, a palavra de ordem assumida pela esquerda e pelo PT foi “golpe”. Não se discutiu prioritariamente o que seria um governo Temer, não se discutiu prioritariamente o que aconteceria com as conquistas sob os governos do PT. Não dá apenas para culpar a população, tem que culpar os movimentos sociais e as esquerdas que cometeram erros gravíssimos que culminaram nessa derrota.

No governo Temer há sete ministros investigados na operação lava-jato. O senhor acredita numa conscientização para continuar a cobrar o fim da corrupção ou acredita que a sociedade se conformará, como sempre ocorreu?
Fornazieri – A tendência é uma conformação, porque a lava-jato foi um dos elementos do golpe. Tanto que desapareceu dos noticiários, sabendo que o PMDB é um dos partidos com mais integrantes denunciados e que, se continuasse, atingiria em cheio o coração do atual governo. O golpe teve uma modalidade histórica, se você observar o que aconteceu com Getúlio Vargas, o que aconteceu para impedir a posse do Juscelino Kubitschek, contra o Jango e assim por diante, tem uma tipologia. Você cria o escândalo da corrupção, transforma num grande mal e dá o bote. Dado o bote, todos esquecem, podem vir um esquema ainda pior que não terá problema, porque a cabeça da sociedade fica anestesiada com a ideia de que houve uma mudança, uma limpeza ética.

Para sociólogo, partidos que comandaram esquerda deverão aprender a conviver com movimentos sem que, obrigatoriamente, estejam dentro de seus quadros (Foto: Divulgação)Para sociólogo, partidos que comandaram esquerda deverão aprender a conviver com movimentos sem que, obrigatoriamente, estejam dentro de seus quadros (Foto: Divulgação)O governo Temer está numa situação diferente, porque fazia parte desse processo que vinha ocorrendo em relação à lava-jato, por isso encontra dificuldade de legitimação. Nas pesquisas sobre o impeachment via-se que um número maior ou ao menos igual não queria nem a Dilma, nem o Temer, mas o que vai determinar o futuro é a luta.

Estão surgindo dezenas e dezenas de manifestações isoladas e não se vê um comando unificado da oposição capaz de propor uma bandeira unificada. Nisso você percebe a desorientação da esquerda, da CUT e dos movimentos sociais que não conseguem galvanizar. Para que houvesse uma potencialização da luta, inclusive, contra a corrupção, do resgate da bandeira ética, anti-corrupção pela esquerda alguém deveria liderar esse processo.

Em algumas manifestações pelo impeachment, mesmo candidatos favoráveis foram hostilizados. Você crê no nascimento de uma nova força política?
Fornazieri – Os parâmetros que davam as cartas não podem seguir daqui para diante. Ao mesmo tempo, as manifestações fizeram surgir novas energias, novas mobilizações e uma juventude combativa que não se liga muito a partidos políticos. Surgiram muitos movimentos e coletivos e existe um grande desafio, como criar unidade do progressismo, que envolve unidade dos democratas, republicanos, esquerdas socialistas, movimentos sociais e políticos e, ao mesmo tempo, você mantém uma pluralidade. É preciso que a esquerda tenha uma nova equação se quiser sair dessa derrota que sofreu. O debate tem de girar em torno disso, como construir unidade na pluralidade.

Não tem muito sentido PSOL, PCdoB e PT estarem separados. Assim como não tem sentido determinadas centrais e sindicatos estarem separados. Hoje temos emergência de movimentos feministas, negro, LGBT, mas a perspectiva dos partidos era puxar esse movimentos para dentro das instituições e transformá-los em instrumentos da luta. Não é mais por aí, esses movimentos devem viver de forma autônoma e conviverem com os partidos em articulação política. O desafio é a reinvenção do progressismo combativo e das esquerdas.

Como se daria a reaproximação entre os movimentos e as bases?
Fornazieri – Tanto o sindicalismo tradicional quanto os partidos têm de criar uma nova pedagogia política, a anterior não serve mais. Os partidos e parte dos sindicatos foram praticamente todos para dentro da institucionalidade e isso resultou num pacto com elites tracionais, conservadoras que, ao verem que alguém precisaria pagar uma conta e ela não foi cobrada dos trabalhadores, enxotaram o PT de dentro dos palácios e gabinetes. Essa conciliação não dá mais.

Essa nova pedagogia política significa que PT, PCdoB, PSOL, os sindicatos, a CUT e os novos movimentos têm que ir para as bases. Para mim é mais importante fazer o confronto de rua do que estar dentro das secretarias ou de um ministério de mulheres, de negros e assim por diante.

Os ministérios e secretarias devem ser consequência de uma articulação forte de força social organizada e politizada. Milhares que tiveram acesso ao ProUni e eram beneficiários dos programas sociais também eram contra quem concedeu esses programas. Há uma pedagogia errada nisso.

 

 

 

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