O Projeto Caminhos do Trabalho, realizado através de parceria entre a Universidade Federal da Bahia e a Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região, identificou que as principais empresas de call center que operam na Bahia (LIQ, Atento Brasil e Tel Centro de Contatos) subnotificam o registro das doenças ocupacionais dos seus empregados e empregadas.
A subnotificação dificulta a análise, a avaliação, o planejamento e a adoção de políticas públicas eficazes para tratamento das doenças, além de onerar os cofres públicos com a aplicação de recursos com enfermidades causadas pelas más condições de trabalho oferecidas pelas empresas.
A pesquisa usou fontes oficiais como a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), sistemas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como o Sisben Anuários Estatísticos, e o Infologo, processos judiciais e resultados de fiscalizações da inspeção do trabalho, além de literatura científica sobre os temas abordados.
Fundado há três anos, o Projeto Caminhos do Trabalho atendeu a 84 trabalhadoras(es) das três maiores empresas de call center da Bahia que adoeceram em decorrência das condições de trabalho a que estão submetidas. “A cada quatro trabalhadoras atendidas, uma adoeceu já no primeiro ano de trabalho e outras duas no segundo ano. Isso representa uma probabilidade de 75% de que uma trabalhadora adoeça dentro dos dois primeiros anos nessa labuta em call center”, afirma Leonardo Siqueira, coordenador adjunto do Projeto.
São doenças que variam entre distúrbios psíquicos (56% das entrevistadas) e as chamadas Lesões por Esforços Repetitivos – Ler e/ou Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho – DORT, únicas reconhecidas no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário como geradas pelo trabalho do teleatendimento. Elas atingiram 38,6% das/os atendidas/os, principalmente nos seus ombros, braços, punhos e mãos.
De acordo com o estudo, em 2017, no Brasil, foram concedidos 10,4 auxílios doença comum (B31) para cada doença acidentário (B91). Já nas empresas de call center, Atento, Tel Centro de Contatos e LIQ, a relação é de 13,6 auxílios doença comum para cada acidentário. Enquanto no total de benefícios auxílio doença acidentário no Brasil a incidência de CAT emitidas oscila entre 40% a 50%, as três empresas de call center só admitem o caráter ocupacional dos afastamentos que dão origem a benefícios em casos de acidentes de trajeto ou acidentes típicos em suas instalações.
Enquanto o conjunto de benefícios por B31 no país com CID de transtornos mentais e comportamentais(família F) era de 8,5%, nas empresas de call center citadas a incidência era de 16,3% ou mais. Vale ressaltar que não há registro de CAT da família F (doença mental), relacionada ao ambiente de trabalho, emitida pelo empregador no Brasil.
Com vasta experiência no setor de telecomunicações, onde atuou como assessor do Sinttel Bahia, sindicato que representa a categoria, o médico e professor titular Eduardo Borges dos Reis, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, viu de perto as modificações tecnológicas e o agravamento das doenças ocupacionais que atingiram os trabalhadores telefônicos.
“Acompanho o setor de teleatendimento desde 1992, quando a função ainda era exercida pelas telefonistas. As modificações foram bruscas e profundas. Não havia nada de poético naquele trabalho, que era muito precário, e com o call center houve o crescimento exponencial da atividade e, principalmente, dos mecanismos de controle do trabalhador, com o estabelecimento de metas inatingíveis, restrições de pausas e aumento do ritmo de trabalho”, disse o médico.
Essa realidade de adoecimento, negligência e descaso praticada pelas empresas é combatida cotidianamente pelo SINTTEL. De acordo com Edla Rios, diretora do departamento de saúde da entidade, a procura pelo setor cresce a cada ano. “Infelizmente as empresas tratam esses trabalhadores como postos de atendimento, não como pessoas. Precisamos que os trabalhadores acionem o Sindicato na fase inicial da doença, mas muitos só nos procuram quando a situação está grave e a empresa nega a emissão da CAT”, lamenta Edla.
A entidade sindical possui parceria com outras entidades de proteção à saúde do trabalhador como a trabalho de saúde que desenvolvemos com nossos parceiros como a UFBA, e os Centros Referência em Saúde do Trabalhador CESAT e CEREST.
O Projeto
O Projeto Caminhos do Trabalho oferece atendimento gratuito para trabalhadores e trabalhadoras do setor de telecomunicações e entregadores/motoristas por aplicativo.
O objetivo é identificar através de entrevistas os fatores de adoecimento, a forma como as empresas acolhem ou dispensam o trabalhador, e como comunicam aos órgãos de vigilância e prevenção à saúde laboral e à Previdência Social
Além de receberem um laudo médico, as pacientes atendidas recebem uma espécie de dossiê jurídico sobre o seu caso, o que pode contribuir para o êxito em ações trabalhistas e previdenciária. Para agendar uma consulta, basta ligar para 71 98430.9101. Por conta da pandemia os atendimentos estão sendo realizados através de teleconsultas.
Conheça o projeto através do perfil do instagram @caminhosdotrabalho