Entre as profissões mais ameaçadas pela inteligência artificial e pela automatização de processos, o atendimento de call centers aparece no topo da lista. Isso porque a substituição de humanos por robôs de chats nessas empresas já é uma realidade. Na líder do segmento, a Atento, que tem 75 mil funcionários e receita anual de R$ 3 bilhões, boa parte do trabalho já é feito por máquinas, segundo o presidente da companhia, Dimitrius de Oliveira. Ele assumiu o cargo há pouco menos de um ano, justamente com o objetivo de ampliar o uso de tecnologia pela Atento.
De acordo com o executivo, hoje 40% dos atendimentos da Atento são feitos via ferramentas automáticas, enquanto 60% são realizados por humanos. No planejamento estratégico para os próximos quatro anos, a ideia é inverter essa proporção. Isso deverá tanto ampliar o peso do time de tecnologia dentro do negócio quanto exigir um novo tipo de profissional para o atendimento, uma vez que todas as operações mais básicas deverão ser realizadas sem a interferência humana.
As duas alternativas também serão combinadas: a Atento já desenvolveu internamente a ferramenta "estressômetro". A partir do cruzamento de informações de interações prévias de clientes, como reclamações feitas em sites e chamadas anteriores, os atendentes conseguem ter acesso a informações para medir o nível de estresse do cliente em relação a um produto ou serviço. Assim, será possível priorizar os casos mais graves na hora do atendimento. "Em vez de fazer mil ligações, a empresa poderá procurar primeiro quem está mais estressado, ganhando eficiência", diz Maurício Castro, diretor de marketing e transformação de negócios da Atento.
Dos 75 mil funcionários da Atento atualmente, 35% são de pessoas que estão em seu primeiro emprego. O presidente da companhia de call centers diz que as exigências para contratações tendem a ficar mais rígidas. Além de saber falar ao telefone e passar informações básicas, explica Oliveira, as pessoas precisarão mostrar alguma familiaridade com ferramentas tecnológicas. Hoje, a Atento tem 4 mil vagas em aberto. Para fazer a seleção, quase todo o processo é online. Para cada candidato contratado, cinco ficam pelo caminho. Ou seja: para fechar essas 4 mil vagas, a empresa vai interagir com um total de 20 mil candidatos.
A Atento não prevê reduzir significativamente sua força de trabalho nos próximos anos. Mas isso não ocorrerá pelo aumento das posições de atendimento, e sim pela transferência de call centers de grandes companhias para firmas terceirizadas. "Com a mudança da lei trabalhista, essa tendência está se intensificando", diz o executivo. Ou seja: o total de empregos gerado pelo setor diminuirá.
Para o presidente da Associação Brasileira de Telesserviço (ABT), Cássio Azevedo, o setor vive uma transição. "É uma fase delicada e perigosa", diz o representante. Em alguns casos, ferramentas automáticas estão fechando call centers inteiros. No ano passado, a startup Acordo Certo, especializada em renegociação de dívidas, contou ao Estado que fechou um acordo para realizar via inteligência artificial um trabalho que antes empregava 700 atendentes de telemarketing. É para concorrer com ferramentas como esta que a Atento está ampliando seu rol de serviços feitos 100% via tecnologia.
Um estudo feito pela consultoria McKinsey, divulgado no ano passado, coloca o atendente de telemarketing como o profissional com a maior possibilidade de perder o emprego ao longo da próxima década por causa da evolução da inteligência artificial. De acordo com o mesmo estudo, cerca de 14% das vagas atuais do Brasil correm risco de ser fechadas por causa da evolução tecnológica nos próximos dez anos.
O presidente da ABT dá um exemplo claro da economia que as ferramentas automatizadas podem representar aos trabalhadores do setor. No que se refere à renegociação de dívidas, um robô consegue fazer um número maior de contatos do que os atendentes humanos - e por um custo bem menor. Por enquanto, diz Azevedo, a vantagem de eficiência ainda está a favor dos humanos - 42% de resoluções, contra 38% dos robôs. Mas como o custo da tecnologia deve cair e a eficiência tende a ser ampliada, a vantagem econômica da automatização deve ficar cada vez mais óbvia.
A introdução da inteligência artificial é feita pouco a pouco para que os consumidores tentam tempo de se acostumar a interagir com a tecnologia. "As empresas que têm sucesso colocam bots (robôs) para interações iniciais. O bot vai aprendendo (à medida que recebe mais informações), e essa substituição ganha força", explica Luís da Cunha Lamb, pesquisador em inteligência artificial e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No caso de processamento de linguagem, o espaço de adoção da IA é amplo. "As empresas sabem quais são as demandas típicas de seus clientes. Em 90% dos casos elas são bem repetitivas", diz Lamb, que também é secretário gaúcho de Ciência, Inovação e Tecnologia. "E os millennials já preferem a interação digital, que consideram mais objetiva."