Por Gustavo Sumares
Além de festas, férias e dias ensolarados, os últimos meses do ano também são associados pelos trabalhadores formais a outro ponto positivo: o pagamento do 13º salário. O valor é um aliado importante para encarar as despesas adicionais geradas pelas festas e pelas férias, e também pode ser uma ótima oportunidade para investimentos.
No entanto, embora seja tomado como garantido por muitos trabalhadores, o 13º salário foi um direito conquistado por meio de uma longa disputa, que envolveu a própria estrutura política do Brasil. E foi apenas graças a bastante mobilização dos trabalhadores que ele chegou a ser lei depois de décadas de debate.
Embora seja uma lei trabalhista, o 13º salário não fazia parte do texto original da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) criada em 1942 pelo então-presidente Getúlio Vargas. Por conta de uma pressão do empresariado da época, esse tema específico ficou de fora do texto da CLT.
Isso não significa, porém, que os trabalhadores não recebessem 13º. Também conhecido como “gratificação de Natal”, o valor era pago em alguns casos, mas as empresas o faziam por iniciativa própria e, de acordo com um artigo publicado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), ele era muitas vezes inferior ao salário do trabalhador.
Uma das empresas que pagava voluntariamente o 13º naquela época, segundo oSindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) era a fábrica de pneus Pirelli, localizada então em Santo André. Além dela, o Sindicato dos Trabalhadores de Empresas Telefônicas de São Paulo (Sintetel-SP) também havia negociado com sucesso a gratificação.
Uma primeira proposta de transformar o 13º salário em obrigação dos empregadores surgiu no começo da década de 1950, segundo o TRT-1, mas foi derrubada rapidamente na Câmara dos Deputados. Ele só voltaria a ser discutido no começo da década seguinte, e seria aprovado em 13 de julho de 1962 após uma longa discussão.
De acordo com o jornal O Globo, o projeto de lei 440 — que seria mais tarde o texto aprovado — foi apresentado pelo deputado federal Aarão Steinbruch, do PTB/RJ, em 15 de junho de 1959. Steinbruch, nascido em Santa Maria (RS), desenvolveu carreira de advogado em Niterói, tornando-se notável por advogar em favor de trabalhadores e sindicatos.
De fato, o 13º salário era uma demanda dos sindicatos, segundo o jornal. A proposta, no entanto, só foi aprovada pela Câmara em 11 de dezembro de 1961. A ocasião gerou mobilização entre os sindicatos, e organizações sindicais de São Paulo ameaçaram entrar em greve a partir de 14 de dezembro até a aprovação do texto no Senado. As manifestações foram reprimidas pela polícia, e líderes sindicais foram presos por causa da greve.
A situação política no país à época era tensa: em 25 de agosto de 1961, o então-presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo. Caberia a seu vice, João Goulart, assumir a presidência. No entanto, como o UOL Educação aponta, setores das Forças Armadas e das elites dominantes não queriam que ele assumisse, alegando que ele tinha “tendências políticas esquerdistas”.
Jango, segundo o site Sul21, corria o risco de ser preso caso retornasse imediatamente ao Brasil, para que fosse impedido de governar. Essa situação tornou necessária uma negociação entre os governistas e os setores conservadores, que obrigaram o Brasil a adotar um sistema de parlamentarismo no qual o poder do presidente seria parcialmente dividido com o de um primeiro-ministro. O primeiro político a assumir esse cargo foi Tancredo Neves, avô de Aécio Neves.
Foi nesse cenário que se deu a discussão sobre o 13º salário. Entre a aprovação do projeto de lei na Câmara e sua assinatura pelo presidente João Goulart, os conjuntos de forças a favor e contra a proposta articularam medidas para defender seus pontos de vista.
O empresariado era contrário à aprovação da medida, e encontrou apoio no próprio jornal O Globo. Em 26 de abril de 1962, O Globo circulou uma edição que tinha como matéria principal em sua capa um texto com o título “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”, como lembram o ANDES-SN e o TRT-1. Nela, empresários e economistas diziam que a medida sobrecarregaria as empresas e aumentaria a inflação.
O projeto chegou ao Senado em regime de “Urgência urgentíssima”, segundo O Globo. Ele foi aprovado em 27 de junho de 1962, por 33 votos contra 14. Restava apenas sua aprovação pelo presidentes. Os trabalhadores então organizaram um Comando de Greve Geral, que convocou uma Greve Geral no país em 5 de julho de 1962. Em 13 de julho, João Goulart assinou a lei.
No contexto político da época, a aprovação da lei do 13º, que favoreceria a classe trabalhadora, tinha também outro significado. As forças políticas que haviam se articulado para impedir a posse de Jango (e posteriormente para implementar o parlamentarismo) continuavam ativas e pressionando o regime.
Segundo O Globo, um plebiscito previsto para 1965 daria à população a oportunidade de escolher entre manter o parlamentarismo ou voltar ao regime anterior. Graças a greves e pressões populares, o plebiscito foi antecipado para janeiro de 1963, e nele a população rejeitou o parlamentarismo.
Com o resultado, o presidente João Goulart teria mais poderes. Por outro lado, a falha de seu Plano Trienal para estabilizar a economia serviu como argumento para os setores da população que pretendiam tirá-lo do poder, o que efetivamente aconteceu com o golpe militar em 1º de abril de 1964. Nesse sentido, a lei do 13º salário pode ser pensada também como uma maneira de angariar apoio popular a um regime ameaçado.
A lei aprovada em 1962, no entanto, ainda recebeu acréscimos até chegar à forma em que se encontra hoje. O texto original, por exemplo, não previa obrigatoriedade de pagamento do 13º salário aos servidores públicos. Esse ponto só foi acrescentado na Constituição de 1988, segundo o Sindicato de Servidores Públicos Municipais de Curitiba (Sismuc).
Ainda assim, antes disso, estatutos específicos de servidores públicos tinham liberdade para determinar esse pagamento (em Curitiba, por exemplo, ele existe desde 1958). Os trabalhadores do campo, que também foram excluídos do texto original, atualmente também têm esse direito, mesmo que em contrato intermitente.
Resultado do 13º
Na avaliação do TRT-1, as previsões pessimistas que estimavam que a economia seria prejudicada pela aprovação da lei do 13º se mostraram equivocadas. A medida, segundo o Tribunal, desde então tem se mostrada benéfica para a economia, por conta de sua capacidade de injetar dinheiro para consumo ou investimento.
Para 2018, por exemplo, estima-se (segundo o G1) que o pagamento do 13º salário injetará, mais de R$ 211 bilhões na economia. Ele é atualmente recebido por 84,5 milhões de brasileiros (um número 0,6% maior do que em 2017), que receberão um valor médio de R$ 2.320 entre as duas parcelas.
Do total de mais de R$ 211 bilhões, cerca de R$ 139,4 bilhões serão pagos a 48,7 milhões de trabalhadores formalizados. Os outros R$ 71,8 bilhões serão pagos a 335,8 milhões de brasileiros aposentados e pensionistas da Previdência Social (INSS) de diferentes tipos de regime.
Quase metade (49,1%) do valor total a ser pago como 13º salário virá para os estados do Sudeste. O Norte, por sua vez, receberá apenas 4,7% dos recursos. O ramo de serviços (incluindo administração pública) receberá 64,1% do valor total; construção civil e agropecuária, por sua vez, ficarão com 3,1% e 2,1%, respectivamente.